Dificuldade de obter insumos e matéria-prima revela problema econômico sistêmico e compromete o desempenho da maior parte das micro e pequenas empresas, que têm poucas opções para reagir.

No início do segundo semestre de 2020, as micro e pequenas indústrias (MPIs) já sinalizavam para problemas envolvendo a cadeia de fornecimento. Essa projeção foi captada rapidamente pelo Sindicato das Micro e Pequenas Indústrias do Estado de São Paulo (Simpi) que, desde o começo da pandemia, divulga um boletim periódico sobre os impactos da crise sanitária no setor.

A pesquisa, feita pelo DataFolha a pedido do Simpi, mostra que a falta de matéria-prima e de insumos afetava 54% das MPIs em meados de setembro e, dois meses depois, já atingia 77% delas. Em novembro, 90% das empresas relatavam alta nos preços; 71% sofriam com atrasos nas entregas dos fornecedores; e 34% apontavam queda na qualidade.

Esses números refletem a quebra da cadeia produtiva, contextualiza o presidente do Simpi, Joseph Couri. O boletim registra que, em novembro, 37% das empresas tiveram algum fornecedor que faliu ou pediu recuperação judicial. “A quebra da cadeia produtiva se deve à falta de crédito na ponta”, argumenta. Segundo a pesquisa, oito em cada 10 empresas do segmento não conseguiram crédito durante a crise.

“Quando se olha para todo esse contexto, não dá para vislumbrar um horizonte de melhora”, afirma. “Não se desenvolve um novo fornecedor em 30, 60 ou 90 dias. Também não se recoloca a mão de obra nesse prazo, porque ela precisa ser treinada para poder produzir”.

Couri assinala a necessidade de crédito para dar fôlego às MPIs, que têm poucas alternativas para enfrentar a situação. “Quando há desabastecimento, a opção é buscar outros fornecedores, mas nenhum deles vai ter essa matéria-prima. Com a extensão dos prazos de entrega, no curto e no médio prazos, não será possível produzir aquilo que se demanda”.

Essa é, inclusive, uma das razões para a trajetória de elevação dos preços. “Em vez de produzir mil unidades, a indústria vai produzir 200, 300 ou 500 unidades. Os custos fixos terão que ser diluídos em 500 unidades, e não em mil. O custo de produção e de aquisição sobem, mas os salários não”. O risco, então, passa a ser ter produto, mas não comprador, acrescenta Couri.

BAIXO ESTOQUE

No varejo, a situação não é diferente. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) tem acompanhado a situação por meio do Índice de Confiança do Empresário do Comércio (Icec). No levantamento de novembro de 2020, todos os aspectos avaliados estavam positivos, exceto um: estoques.

Os empresários do ramo estão confiantes em relação às condições atuais e têm expectativas positivas para a economia, para o setor e para o desempenho das próprias empresas. Porém, a avaliação sobre a situação atual dos estoques diante da programação das vendas está negativa desde agosto, piorando nos meses seguintes.

A economista da CNC, Izis Ferreira, comenta que o comércio viveu um momento de obsolescência dos estoques, que estavam acima da previsão de vendas no início da pandemia, quando muitos lojistas precisaram paralisar as atividades e ainda não estavam adaptados para comercializar online. Com a flexibilização do isolamento e o crescimento do volume de vendas do varejo (que retornou ao nível pré-pandemia), a situação foi mudando e a reposição dos estoques emergiu como um problema.

“Parte da indústria também precisou paralisar ou reduzir as atividades no início da pandemia e aí houve uma interrupção no abastecimento do comércio”, explica Ferreira. O varejo também foi afetado por mudanças no perfil de compras. “Durante a pandemia, o consumidor passou a procurar bens em detrimento de serviços, além da mudança no perfil dos próprios produtos que estava acostumado a consumir antes da crise”.

Ferreira avalia que o enfrentamento da situação depende do estímulo ao crédito. Para as empresas, a recomendação é investir em inovação; aprimorar a negociação com fornecedores (buscando novos parceiros, fazendo negociações em grupo e revendo prazos de pagamentos e recebimentos); e melhorar o gerenciamento do negócio para conhecer bem o ciclo financeiro da empresa e as demandas dos clientes.