A pandemia exigiu a adaptação das empresas ao home office, que, agora, é uma opção a ser considerada entre outros formatos possíveis e que devem ser avaliados a partir da realidade de cada organização.
O home office não era uma novidade quando a pandemia da Covid-19 surgiu, mas, a partir da crise sanitária, esse modelo ganhou projeção. “As organizações se viram obrigadas a adaptar suas rotinas e foram forçadas a uma experiência para a qual elas, talvez, não estivessem abertas anteriormente”, avalia o professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e membro do Observatório da Sociedade Pós-Pandêmica (OSPP), Diego Costa Mendes.
Por mais de um ano, essas empresas, que antes sequer cogitavam o home office, tiveram a oportunidade de testar o modelo, identificando suas vantagens e desvantagens. Agora, que o retorno aos escritórios volta a ser permitido, é momento de definir qual caminho será seguido.
A experiência ao longo dessa jornada traz insights que contribuem para a decisão a ser tomada agora, porém, Mendes salienta que é fundamental considerar que foi um período atípico. “A forma e os resultados de como se deu o trabalho remoto precisam ser considerados a partir de uma perspectiva do contexto pandêmico”, justifica.
Entre os impactos provocados pela crise, há o fato de que o ambiente residencial foi compartilhado por famílias inteiras, incluindo crianças que não puderam frequentar a escola no período. Nesse sentido, há outro aspecto que não pode ser negligenciado: a vivência de cada pessoa com o home office é única.
Da mesma forma, “não há uma realidade universal que possa ser aplicada a toda e qualquer empresa”, adverte Mendes. A questão, portanto, exige olhar para dentro da organização, buscando entender a realidade do negócio e qual é o formato que melhor se encaixa no seu contexto.
“Precisa colher uma série de dados e informações para pensar mais estrategicamente”, orienta. O ideal é que a empresa, ao longo do tempo em que adotou o home office, tenha incorporado uma visão analítica sobre como esse formato impacta suas operações. Se tiver esses dados, eles serão imprescindíveis para fundamentar a escolha que será feita a partir de agora.
Mendes acrescenta que as empresas devem analisar a percepção dos trabalhadores. “Uma coisa é ver a situação de cima para baixo e outra é entender como foi, de fato, a experiência desses trabalhadores; é algo que muda de uma empresa para outra e até entre diferentes departamentos de uma mesma organização”.
QUESTÕES JURÍDICAS
O advogado trabalhista e sócio do Machado Meyer, Rodrigo Takano, explica que a legislação considera como teletrabalho o modelo em que as atividades são realizadas preponderantemente de forma remota (três ou mais vezes por semana), fora das dependências da empresa. É o oposto do presencial, exercido integralmente na organização. O formato híbrido é aquele em que o funcionário trabalha de casa alguns dias na semana e outros, no escritório.
No teletrabalho, a empresa fica desobrigada de controlar a jornada laboral, devendo, portanto, exercer o controle sobre a demanda de serviços. Takano ressalta que a ausência de registro da jornada não pode resultar em uma carga excessiva de trabalho, devendo-se manter o equilíbrio compatível com o tempo de dedicação aplicado à função.
Aspectos relacionados ao contrato de trabalho devem ser observados se a empresa decidir mudar o formato adotado. “Se o empregado foi contratado antes da pandemia para trabalhar na sede da empresa, a organização tem o direito de exigir o retorno, obviamente, desde que não haja contraindicação”, argumenta. “Neste caso, o empregado não pode se recusar a retornar ao trabalho presencial”.
O contexto muda quando o empregado tiver sido contratado para trabalhar apenas no regime de teletrabalho – algo que ocorreu com muitas empresas durante a pandemia. Nessa hipótese, a organização pode oferecer o trabalho presencial como opção para o trabalhador, que deve concordar com a mudança, não podendo ser obrigado a fazer a transição.
As empresas que fizeram aditivos aos contratos de trabalho no início da pandemia, alterando temporariamente o modelo para o teletrabalho, podem exigir o retorno ao escritório. A restrição ocorre em relação aos aditivos que não mencionam o caráter excepcional e temporário da mudança – então, dependem do consentimento dos empregados em relação ao retorno integral.
Do ponto vista jurídico, a empresa não pode obrigar seus funcionários a se vacinarem. No entanto, Takano afirma que a organização tem liberdade para estabelecer políticas e protocolos de saúde e segurança, definindo que o trabalho presencial só poderá ser exercido por pessoas vacinadas ou mesmo limitando o acesso às suas dependências para quem não foi imunizado ainda.
Havendo recusa à vacinação, a recomendação é dialogar com o empregado, explicando as consequências possíveis e que, em último caso, o resultado pode ser a demissão por justa causa – situação que já foi julgada e autorizada pela Justiça do Trabalho em diversos casos.
FLEXIBILIDADE É FUNDAMENTAL
“O home office, no período da pandemia, reforçou a importância das relações de trabalho flexíveis”, observa o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), Paulo Sardinha. O modelo de trabalho, defende, está muito vinculado à maturidade da organização e dos funcionários, que também devem se manifestar sobre suas preferências.
No processo de escolha sobre o formato a ser incorporado, os fatores objetivos são os que devem se sobressair na análise, aponta. Essas questões englobam aspectos como a necessidade de utilizar insumos específicos fornecidos pela empresa ou de atender clientes presencialmente, por exemplo. “Boa parte das organizações vai se definir pelas condições objetivas”.
Os aspectos subjetivos estão mais colocados às atividades intelectuais e que dispensam materiais muito específicos ou contato presencial com as equipes e os clientes. É a situação das funções que dependem mais da produtividade individual, bastando, por exemplo, acesso aos recursos de informação e comunicação, como computadores e softwares.
Sardinha aconselha que as empresas façam um planejamento cuidadoso considerando as novas questões que podem surgir a partir da mudança no formato de trabalho. Organizações maduras vão se guiar por “flexibilidade, bom senso e ética”, pontua.
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