Com o fluxo de caixa comprometido pela pandemia, negócios de pequeno porte precisam avaliar o impacto das dívidas nas finanças, aprimorar controles e buscar alternativas para equilibrar o orçamento.

O baixo faturamento é o principal desafio enfrentado pelas empresas brasileiras na gestão financeira dos negócios. Equilibrar as contas a receber e a pagar nunca é tarefa simples quando se tem um orçamento limitado, mas essa realidade ficou ainda
mais complexa com a crise provocada pela pandemia da Covid-19. Segundo dados do Sebrae, no Brasil, 51% dos negócios são conduzidos por microempreendedores individuais, com faturamento anual de até R$ 81 mil por ano. As microempresas (receita bruta anual de até R$ 360 mil) representam pouco mais de 34% das empresas. Menos de 5% são empresas de pequeno porte (com rendimentos entre R$ 360 mil e R$ 4,8 milhões ao ano). A consultora da Econsult Consultoria Econômica
(empresa júnior vinculada à Universidade de Brasília), Mariana Cassel, contextualiza que aproximadamente 85% das empresas nacionais faturam até R$ 360 mil anuais. “Como o perfil da maioria dos empresários brasileiros é de pequeno faturamento, observa-se que há pouco ou nenhum controle financeiro nessas empresas”, argumenta. São justamente esses negócios que enfrentam os maiores desafios em relação ao endividamento, avalia o vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade Anefac), Ailton Leite. “Em decorrência da pandemia, houve o suporte do governo federal na obtenção de crédito, com regras mais flexíveis que ajudaram na captação das empresas”, lembra. “Isso elevou o nível do endividamento”. Ele salienta que o impacto do endividamento é maior entre micro, pequenas e médias empresas e nos setores mais afetados pela paralisação das atividades, como turismo e serviços. “Neste cenário, torna-se mais complexo reverter a situação”, sublinha a vice-presidente técnica do Conselho Regional de Contabilidade
do Rio Grande do Sul (CRCRS), Nádia Grasselli. “Embora tenhamos a possibilidade de renegociação de dívidas, a receita não está acompanhando o crescimento das despesas”, afirma.

Por esse motivo, Grasselli ressalta que as medidas de ajuste das finanças não podem estar limitadas à redução de custos e do
nível de endividamento, devendo abarcar, também, ações que auxiliem a empresa a incrementar seus ganhos em conjunto com aquelas direcionadas a equilibrar as contas. “Precisamos mudar a estratégia em relação à política de vendas, agregar
mais produtos ou serviços e verificar quais são as necessidades dos clientes”, recomenda. “Não se deve adiar decisões, pois
quanto maior a morosidade em buscar soluções, mais comprometimento se instala na empresa. A sobrevivência do negócio
está baseada em medidas assertivas”. Controle em tempo real As dificuldades financeiras enfrentadas pelas empresas frequentemente têm origem em falhas relacionadas ao controle das informações e do orçamento. “Um dos
erros mais cometidos é a falta de registro preciso das receitas e despesas”, aponta Cassel. Misturar as finanças pessoais com
as da empresa é outro erro comum, acrescenta a consultora. Leite avalia que “não saber a situação do fluxo de caixa ao final do mês é o maior erro que as empresas cometem”. Daí a importância de “ter esses dados em tempo real, sempre provisionando e estimando eventuais problemas nos recebimentos, pois o risco de calote nos recebíveis é factível e pode desencadear um efeito dominó”. Para evitar riscos ao negócio e enfrentar com um pouco mais de segurança momentos
críticos como o atual, o empresário deve fazer uma reserva financeira, aconselha o vice-presidente da Anefac. “O ideal é que
essa reserva cubra os gastos por um período mínimo de 12 meses”.

Diagnóstico e correção de rumos: A partir de um controle rigoroso sobre as finanças do negócio, é possível avaliar o nível de endividamento da empresa, sua capacidade de pagamento e as melhores soluções para diminuir o problema. Entretanto,
se não existe um registro adequado das receitas, das despesas e de outros indicadores financeiros, dificilmente será
possível identificar o tamanho do desafio relacionado às dívidas. “A análise do endividamento de uma empresa envolve o cálculo de uma série de variáveis”, explica a consultora da Econsult. O levantamento é feito utilizando-se os dados relacionados às dívidas em conjunto com os demais indicadores financeiros do negócio.

Outra informação fundamental é a que leva a entender as razões pelas quais a empresa se endividou. Grasselli ressalta que a dívida assumida para capital de giro (voltada para se arcar com os compromissos do dia a dia) é mais prejudicial ao negócio
do que a dívida feita com a finalidade de realizar investimentos (que pressupõe ganho produtivo e de eficiência). “O endividamento deveria estar concentrado no longo prazo para não comprometer o fluxo de caixa”, salienta. A melhor compreensão sobre o endividamento da empresa facilita a tomada de decisão sobre alternativas para equilibrar as finanças. A renegociação da dívida é o primeiro passo a ser dado. “Em geral, há um espaço para quem quer pagar suas dívidas e a renegociação pode ser uma boa alternativa para todos”, comenta Cassel. Leite frisa que essa é uma ação de curto prazo que pode trazer efeitos imediatos sobre o fluxo de caixa. No caso das organizações que ainda dependem de crédito para viabilizar
suas operações ou que buscam opções de crédito mais barato para quitar débitos elevados, há possibilidade de recorrer ao Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), que foi reaberto. “É uma linha de crédito de longo prazo, com juros mais acessíveis”, esclarece Grasselli. A portabilidade do crédito também é uma solução viável. “Muitas vezes, até para renegociar, fica mais fácil se você tiver uma proposta de outra empresa (para portabilidade)”,
enfatiza Cassel. Leite orienta que essa opção “sempre deve ser estudada e negociada com os bancos. Se for feita, além da redução nas taxas de juros, também se deve negociar nova forma de pagamento, obtendo carência para iniciar os pagamentos, prazos maiores, substituição de pagamentos mensais por trimestrais, entre outras facilidades”.